O portal de Canas de Senhorim

maio 14, 2007

Oferta...do "Municipio"


rio de dor


jardim em frente da casa da senhora Ilda Fernandes
Viúva de mineiro, Ilda Fernandes, de 78 anos de idade, tem um ar sofrido. E não é para menos: há 18 anos, o marido falecia no hospital de Coimbra com 51 anos, deixando--lhe oito filhos.Não sabe dizer qual possa ter sido a causa da morte do marido, José Ramos, na altura já reformado das minas com 47 contos mensais (cerca de 235 euros). Mas sabe que ele fez quatro intervenções cirúrgicas, a última delas para "lhe tirarem a bexiga", e já não voltou vivo à Urgeiriça. Ilda Fernandes nasceu em Nespereira de Mundão (concelho de Viseu) e trabalhou nas culturas do arroz em Alcácer do Sal, mas isso foi antes de regressar à Beira Alta. Os filhos partiram há muito e só uma filha vive perto da mina. Enumera os destinos: "Um está em Inglaterra, outros em França, uma filha em Setúbal... Vivo sozinha mais Deus". Pagou a sua casa "sem ajudas de ninguém", vai dizendo. "Até fome passei." Hoje conta apenas com a sua pensão de viúva, metade da auferida pelo marido quando estava vivo. O seu rosto aviva-se um pouco quando fala dos tempos de actividade das minas: "À hora de almoço íamos levar a comida aos portões, para eles mandarem aos maridos lá em baixo [nas galerias] e aquilo era um movimento!...". E garante que se vivia melhor nessa época: "Aqui só havia mineiros, mas nós cultivávamos umas terras, porque o salário era baixinho". O médico aconselhou-a a não se fechar em casa, porque "é pior". Por isso, Ilda Fernandes faz um esforço para passear diariamente, descendo as ruas do bairro operário e regressando depois a casa. O semblante volta a fechar-se quando fala do que lhe é dado ver: "Mete aflição ver isto tudo assim, parado". "Isto" são as instalações fechadas e abandonadas das minas. "Isto" é, também, a evocação dos vizinhos que morreram prematuramente de doenças com nomes esquisitos. "Havia o senhor Gaspar, e o senhor Carvalho, que eram mais velhos do que o meu marido." Só o pequeno jardim em frente da casa, bem tratado e com rosas vistosas, contraria o rio de dor e desesperança em que se transformou a vida de Ilda Fernandes. C.P.

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