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março 29, 2010

PROJECTO DE LEI N.º 19/XI

Altera o regime de acesso às Pensões de Invalidez e Velhice pelos trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, S. A., e consagra o Direito de acesso a todo o tempo a uma Indemnização Emergente de Doenças Profissionais.

Exposição de motivos

Os trabalhadores das minas têm, reconhecidamente, um risco profissional e uma penosidade agravada. As doenças profissionais e a morte precoce, originadas pela contaminação a que foram sujeitos no decurso do trabalho mineiro, impuseram o luto a muitas famílias e geraram a incapacidade de muitos trabalhadores para continuar a sua profissão, com a consequente diminuição da sua qualidade de vida.
O Decreto-Lei 195/95, de 28 de Julho, define o regime especial de acesso às pensões de invalidez e velhice dos trabalhadores do interior das minas, reconhecendo o direito de antecipação da idade de acesso à pensão por velhice, desde os 50 anos de idade. Procede de igual modo à bonificação do cálculo das pensões de invalidez, velhice e sobrevivência.
Ora, exactamente o mesmo Decreto-Lei determina que este regime jurídico pode ser estendido por lei aos trabalhadores do exterior das minas, atendendo a excepcionais razões conjunturais que tornem necessária uma protecção específica.
Como demonstram os relatórios já conhecidos, dos quais o Dr. José Marinho Falcão, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, faz a síntese, constata-se que “existe, desde há muitos anos, evidência científica de que os mineiros de urânio têm risco acrescido de desenvolver neoplasias malignas, nomeadamente cancro do pulmão”. O facto é confirmado por estudos de vários autores citados em texto do ITN – Instituto Tecnológico e Nuclear: “A exposição ao urânio e aos produtos do seu decaimento tem sido associada à incidência aumentada de neoplasias malignas, nomedamente do pulmão, leucemia e ossos, em populações humanas. (Kusiak et al., 1993; Kathren and Moore, 1986; Katheren et al., 1989). As alterações citogenéticas à exposição ao urânio podem contribuir não só para o desenvolvimento de lesões malignas nos expostos mas podem também ser transmitidas aos descendentes”.
O mesmo documento refere ainda que “as escombreiras de resíduos contêm materiais radioactivos, nomeadamente radium-226 e metais pesados (como manganésio e molibénio) que podem infiltrar-se nas águas subterrâneas”. Refere-se ainda neste documento que se considera “demonstrado que a função renal pode ser afectada pela ingestão crónica de água contaminada com urânio (Zamora, 1998)” e que “os efeitos crónicos, de natureza não neoplástica, associados à exposição humana a urânio, radão e rádio incluem anemia, abcesso celebral e pneumonia e fibrose do pulmão (ATSDR 1989, ATSDR 1990)”.
São bem conhecidos, e divulgados pela imprensa, os resultados de um estudo sobre Razões Padronizadas de Mortalidade, ocorrido entre 1980 e 1999, em 30 concelhos da região centro, que “sugere que o concelho de Nelas teve um significativo excesso de mortalidade por neoplasias da traqueia, dos brônquios e do pulmão quando comparado com o conjunto dos restantes 29 concelhos bem como com cada um deles. (Falcão, 2001, 2002)”.
Estes dados científicos são totalmente conclusivos e confirmam a justiça da excepcionalidade criada pelo Decreto-Lei 28/2005, de 10 de Fevereiro, como se pode ler no seu preâmbulo “trabalhadores que exerceram funções nas áreas mineiras e anexos mineiros ou em obras e imóveis afectos à exploração mineira desenvolveram a sua actividade profissional sujeitos a um risco agravado pela constante exposição a radiações e ambientes com radão”. Mas sendo a justiça direito de todos e não reserva de um grupo e havendo situações iguais que, não são contempladas no justo regime então criado, urge a necessidade de colmatar tal lacuna, estendendo a aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 28/2005, de 10 de Fevereiro, a todos os trabalhadores que laboraram na ENU, independentemente de se encontrarem vinculados à empresa na data da dissolução da mesma. Tal facto não faz com que os trabalhadores que exerceram funções na ENU deixassem, como que por decreto, de estar sujeitos às mesmas circunstâncias e condições que motivaram a criação do regime de excepção para os trabalhadores da ENU que exerciam funções à data da dissolução da empresa.
É dever do Estado garantir o acompanhamento destes ex-trabalhadores, submetendo-os a uma monitorização médica consistente e periódica, bem como os cônjuges ou pessoas que com eles vivam em união de facto e descendentes, no sentido de detectar junto da comunidade, possíveis desenvolvimentos negativos ou consequências da actividade que levaram a cabo.
Só a conjunção destas medidas pode garantir que o Estado não se demita das suas responsabilidades perante estes trabalhadores, independentemente das datas da cessação dos seus vínculos laborais.
O Estado deve assumir a antecipação da idade da reforma por velhice mas também a necessidade de acompanhar e apoiar os trabalhadores e as suas famílias em caso de doença e de os indemnizar a todo o tempo pelas doenças profissionais emergentes da sua actividade.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º
(Âmbito e objecto)

O presente diploma altera o Decreto-Lei n.º 28/2005, de 10 de Fevereiro, alargando o seu âmbito aos trabalhadores que tenham exercido funções ou de actividades de apoio nas áreas mineiras e anexos mineiros ou em obras e imóveis afectos à exploração da Empresa Nacional de Urânio, S. A., independentemente da data da respectiva reforma, e estabelece a obrigatoriedade de acompanhamento médico a estes trabalhadores, bem como a sua equiparação legal para efeitos de indemnização por doença profissional.

Artigo 2º
(Alteração ao Decreto-Lei nº 28/2005, de 10 de Fevereiro)

O artigo 2º do Decreto-Lei n.º 28/2005, de 10 de Fevereiro, passa a ter a seguinte redacção:

“Artigo 2.º
(Âmbito pessoal)

“Estão abrangidos pelo presente diploma os trabalhadores que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Exercício de funções ou de actividades de apoio nas áreas mineiras e anexos mineiros ou em obras e imóveis afectos à exploração da Empresa Nacional de Urânio, S. A.;
b) (...). ”


Artigo 3º
(Acompanhamento e tratamento médicos)

1- O Estado garante o acompanhamento médico periódico e gratuito aos trabalhadores abrangidos pelo Decreto-Lei nº 28/2005, de 10 de Fevereiro, bem como os cônjuges ou pessoas que com eles vivam em união de facto e descendentes.
2- O acompanhamento médico previsto no número anterior tem como objectivo a identificação de consequências na saúde desses trabalhadores decorrentes da sua actividade e a prestação gratuita dos tratamentos médicos necessários.


Artigo 4º
(Indemnizações por doença profissional)

Os trabalhadores abrangidos pelo Decreto-Lei nº 28/2005 de 10 de Fevereiro, que desenvolvem uma actividade penosa e de risco para a sua saúde que se manifesta ao longo do tempo, para além do desenvolvimento da sua actividade e vínculo laboral, a quem seja identificada doença profissional, têm direito a todo o tempo, a uma indemnização emergente de doenças profissionais contraídas na sua actividade, de acordo com a legislação em vigor.


Artigo 5º
(Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor no dia seguinte após a sua publicação.
Assembleia da República, 21 de Outubro de 2009
Os Deputados e as Deputadas do Bloco de Esquerda

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