O presente Relatório Científico II descreve os resultados dos dois estudos que finalizam o projecto MINURAR: i) a avaliação da contaminação interna da população das zonas expostas aos radionuclidos do minério do urânio e dos seus resíduos, como indicador de exposição, ii) o estudo de efeitos genotóxicos na população, como indicador de um efeito biológico. O primeiro foi realizado pelo Departamento de Protecção Radiológica e Segurança Nuclear do Instituto Tecnológico e Nuclear (DPRSN -ITN) e o segundo, em colaboração, pelo Centro de Genética Humana do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (CGH-INSA) e pelo DPRSN-ITN. Os resultados são apresentados, respectivamente, nos capítulos 1 e 2. Neste relatório apresentam-se ainda as conclusões finais completas do projecto MINURAR e recomendações que resultam da integração dos resultados publicados nos Relatórios Científicos I e II.
i) Estudo da contaminação interna do organismo pelos radionuclidos da série do urânio
No Capítulo 1 reportam-se os resultados da avaliação, efectuada por processos indirectos, da contaminação interna do organismo de habitantes das regiões estudadas, isto é, da freguesia de Canas de Senhorim (GE), onde se localiza a mina da Urgeiriça e as escombreiras da mina e do tratamento químico do minério, e de dois outros grupos de freguesias: com minas e escombros mineiros mas sem resíduos de tratamento químico do minério (GN1) e sem ocorrências de mineralização de urânio, minas ou resíduos de tratamento (GN2). O método utilizado consistiu na análise de amostras de cabelo dos habitantes para os radionuclidos polónio (210Po) e chumbo (210Pb), ambos descendentes do urânio. A presença destes radionuclidos no cabelo, por onde são parcialmente eliminados, revela a presença de actividades maiores ou menores no interior do organismo e permite hierarquizar a exposição a estas fontes de radiação internas. As concentrações de 210Po foram, em todos o grupos, muito mais elevadas que as de 210Pb, revelando a maior facilidade com que o 210Po é excretado através da incorporação no cabelo. A comparação dos resultados entre os três grupos da população revelou que, em média, os habitantes de GE têm concentrações de 210Po semelhantes aos habitantes do grupo GN1, sendo ambas significativamente mais elevadas que as do grupo GN2. As concentrações de 210Pb no cabelo não são expressivas da sua acumulação no organismo ao longo dos anos, mas sim da sua ingestão recente. Os resultados de 210Pb indicam que a população de GN1 tem uma taxa de ingestão actual deste radionuclidos - provavelmente através da água de consumo - mais elevada que a de GE e de GN2. Por sua vez, embora as diferenças entre os grupos sejam pequenas, os resultados de 210Po indicam que os habitantes dos grupos GE e GN1 acumularam no organismo ao longo da vida, provavelmente no tecido ósseo, um depósito de radionuclidos precursores de 210Po (isto é de 226Ra e 210Pb) com concentrações ligeiramente mais elevadas que no grupo que representa o fundo radioactivo natural (GN2).
ii) Estudo dos efeitos genotóxicos na população
No Capítulo 2 apresentam-se os resultados do estudo sobre os potenciais efeitos genotóxicos na população. Este baseou-se na avaliação das frequências de aberrações cromossómicas nos linfócitos do sangue periférico - consideradas o indicador mais adequado de exposição a radiação ionizante - em dois subgrupos dos grupos GE e GN2 acima referidos, respectivamente designados por GE’ e GN2’. Paralelamente, analisaram-se as aberrações cromossómicas após irradiação in vitro dos linfócitos dos mesmos indivíduos (ensaio challenge), para avaliar uma eventual alteração na capacidade de reparação de lesões do DNA, na sequência da exposição ambiental a doses baixas de radiação ionizante e/ou de outros agentes com potencial genotóxicos. Os resultados revelaram que a população de GE’, comparativamente à do grupo de controlo GN2’, apresentou uma maior frequência basal de aberrações cromossómicas e, em particular, de translocações - o indicador mais sensível de um efeito cumulativo de exposição prolongada a radiação ionizante - embora sem significância estatística. No que se refere aos resultados do ensaio challenge observou-se que, em resposta à irradiação experimental dos linfócitos, a população de GE’ apresentou uma menor frequência de aberrações cromossómicas comparativamente a GN2’, diferença essa estatisticamente significativa. Estes dados são sugestivos duma resposta adaptativa na população de Canas de Senhorim, provavelmente resultante duma maior competência de reparação de lesões do DNA e pressupondo a existência de uma exposição prévia a baixas doses de radiação ionizante e/ou a contaminantes químicos derivados da exploração mineira. No seu conjunto, os resultados dos estudos apresentados neste relatório são convergentes. Através das análises de cabelo verificou-se uma acumulação de 210Po no organismo ligeiramente mais acentuada na população de Canas de Senhorim (GE) – e também de GN1 - comparativamente à da população de GN2. No estudo dos efeitos genotóxicos, e à semelhança do que foi observado em vários parâmetros de saúde descritos no Relatório Científico I (e.g., número de eritrócitos, linfócitos e percentagem de gravidezes com aborto espontâneo), os resultados revelam que a frequência basal de aberrações cromossómicas totais e das translocações em particular, está ligeiramente mais elevada num subgrupo da população de Canas de Senhorim (GE’) comparativamente a um subgrupo de GN2 (GN2’), embora sem significância estatística. Para além disso, a comparação dos resultados do ensaio challenge nas duas populações são sugestivos de uma resposta adaptativa em GE’.
Projecto Minurar - Conclusões finais e recomendações
Conclusões finais
Radioactividade ambiente
Dos resultados do estudo sobre a radioactividade ambiente pode deduzir-se que as áreas ocupadas pelas escombreiras do tratamento químico do minério e de outras actividades mineiras na freguesia de Canas de Senhorim, contêm materiais francamente radioactivos. Estas escombreiras constituem uma fonte de radiação que pode originar doses de radiação externa significativas para quem frequente os locais, constituindo também uma fonte de radão e de poeiras radioactivas que se dispersam na atmosfera. No restante território da freguesia de Canas de Senhorim o risco radiológico é bem menor e é, em muitos parâmetros, comparável ao fundo radioactivo natural determinado em GN2. As freguesias do grupo GN1, sobretudo Moreira de Rei e Rio de Mel, apresentam também valores mais elevados de alguns parâmetros quando comparados com GN2, o que decorre da existência de escombros mineiros da extracção de urânio.
Distribuição dos metais e de outros contaminantes químicos
Como síntese final desta componente do estudo, pode afirmar-se que a auréola de dispersão dos elementos químicos a partir da Escombreira da Mina da Urgeiriça e demais instalações mineiras abandonadas não se manifesta para além dos limites da bacia de drenagem que envolve a linha de água principal local. Contudo, há indicadores claros de que a actividade mineira do urânio na região influenciou o ambiente a tal ponto que se torna visível através de um plano de observação global do território que não foi especificamente projectado para rastreio dos indícios dessa actividade mineira.
Efeitos na saúde da população
Os resultados dos dois estudos apresentados neste Relatório Cientifico II, podem agora ser integrados nos resultados já publicados no Relatório Cientifico I, em Junho de 2005. Saliente-se que as conclusões finais de “MINURAR” mantêm válidas as que foram descritas no referido Relatório Cientifico I. Assim, os resultados globais revelaram diferenças em várias funções e parâmetros biológicos, quer na comparação entre a população de Canas de Senhorim (GE) e as populações das 7 freguesias não expostas (GN), quer na comparação de GE com as populações do subgrupo GN2, sendo quase todas no sentido das hipóteses formuladas. Outros parâmetros tiveram diferenças menos relevantes nas comparações GE/GN e GE/GN2. Por outro lado, a maioria das diferenças encontradas em GE/GN1 foi também no sentido das hipóteses, embora em menor extensão. A exposição da população de Canas de Senhorim à mina da Urgeiriça e à sua Escombreira constitui uma explicação plausível para as diferenças encontradas. Com efeito, não se identificou qualquer outra exposição que pudesse ter causado as diferenças observadas em funções e parâmetros tão diversos.
Recomendações
No domínio da intervenção ambiental é recomendado: 1. proceder à requalificação ambiental; 2. garantir que não subsistem riscos inaceitáveis de exposição das populações a radiações ionizantes; 3. assegurar que as soluções de requalificação serão eficazes não só no presente, mas também por um período alargado de tempo; 4. pôr em prática um plano de monitorização radiológica ambiental na zona das antigas explorações de urânio. No domínio dos efeitos na saúde das populações é recomendado: 1. apreciar a viabilidade de realizar um estudo de cortes retrospectivo para estimar efeitos na mortalidade; e 2. Garantir que a vigilância epidemiológica da população geral exposta, que se afigura, de momento, desnecessária possa ser accionada se, no futuro a situação o exigir.
AUTORES:
José Marinho Falcão; Fernando P. Carvalho; Maria Guida Boavida, Mário Machado Leite; Madalena Alarcão; Eugénio Cordeiro; João Ribeiro
PUBLICADO EM:
INSA
ANO:
2007
EDITOR:
INSA
i) Estudo da contaminação interna do organismo pelos radionuclidos da série do urânio
No Capítulo 1 reportam-se os resultados da avaliação, efectuada por processos indirectos, da contaminação interna do organismo de habitantes das regiões estudadas, isto é, da freguesia de Canas de Senhorim (GE), onde se localiza a mina da Urgeiriça e as escombreiras da mina e do tratamento químico do minério, e de dois outros grupos de freguesias: com minas e escombros mineiros mas sem resíduos de tratamento químico do minério (GN1) e sem ocorrências de mineralização de urânio, minas ou resíduos de tratamento (GN2). O método utilizado consistiu na análise de amostras de cabelo dos habitantes para os radionuclidos polónio (210Po) e chumbo (210Pb), ambos descendentes do urânio. A presença destes radionuclidos no cabelo, por onde são parcialmente eliminados, revela a presença de actividades maiores ou menores no interior do organismo e permite hierarquizar a exposição a estas fontes de radiação internas. As concentrações de 210Po foram, em todos o grupos, muito mais elevadas que as de 210Pb, revelando a maior facilidade com que o 210Po é excretado através da incorporação no cabelo. A comparação dos resultados entre os três grupos da população revelou que, em média, os habitantes de GE têm concentrações de 210Po semelhantes aos habitantes do grupo GN1, sendo ambas significativamente mais elevadas que as do grupo GN2. As concentrações de 210Pb no cabelo não são expressivas da sua acumulação no organismo ao longo dos anos, mas sim da sua ingestão recente. Os resultados de 210Pb indicam que a população de GN1 tem uma taxa de ingestão actual deste radionuclidos - provavelmente através da água de consumo - mais elevada que a de GE e de GN2. Por sua vez, embora as diferenças entre os grupos sejam pequenas, os resultados de 210Po indicam que os habitantes dos grupos GE e GN1 acumularam no organismo ao longo da vida, provavelmente no tecido ósseo, um depósito de radionuclidos precursores de 210Po (isto é de 226Ra e 210Pb) com concentrações ligeiramente mais elevadas que no grupo que representa o fundo radioactivo natural (GN2).
ii) Estudo dos efeitos genotóxicos na população
No Capítulo 2 apresentam-se os resultados do estudo sobre os potenciais efeitos genotóxicos na população. Este baseou-se na avaliação das frequências de aberrações cromossómicas nos linfócitos do sangue periférico - consideradas o indicador mais adequado de exposição a radiação ionizante - em dois subgrupos dos grupos GE e GN2 acima referidos, respectivamente designados por GE’ e GN2’. Paralelamente, analisaram-se as aberrações cromossómicas após irradiação in vitro dos linfócitos dos mesmos indivíduos (ensaio challenge), para avaliar uma eventual alteração na capacidade de reparação de lesões do DNA, na sequência da exposição ambiental a doses baixas de radiação ionizante e/ou de outros agentes com potencial genotóxicos. Os resultados revelaram que a população de GE’, comparativamente à do grupo de controlo GN2’, apresentou uma maior frequência basal de aberrações cromossómicas e, em particular, de translocações - o indicador mais sensível de um efeito cumulativo de exposição prolongada a radiação ionizante - embora sem significância estatística. No que se refere aos resultados do ensaio challenge observou-se que, em resposta à irradiação experimental dos linfócitos, a população de GE’ apresentou uma menor frequência de aberrações cromossómicas comparativamente a GN2’, diferença essa estatisticamente significativa. Estes dados são sugestivos duma resposta adaptativa na população de Canas de Senhorim, provavelmente resultante duma maior competência de reparação de lesões do DNA e pressupondo a existência de uma exposição prévia a baixas doses de radiação ionizante e/ou a contaminantes químicos derivados da exploração mineira. No seu conjunto, os resultados dos estudos apresentados neste relatório são convergentes. Através das análises de cabelo verificou-se uma acumulação de 210Po no organismo ligeiramente mais acentuada na população de Canas de Senhorim (GE) – e também de GN1 - comparativamente à da população de GN2. No estudo dos efeitos genotóxicos, e à semelhança do que foi observado em vários parâmetros de saúde descritos no Relatório Científico I (e.g., número de eritrócitos, linfócitos e percentagem de gravidezes com aborto espontâneo), os resultados revelam que a frequência basal de aberrações cromossómicas totais e das translocações em particular, está ligeiramente mais elevada num subgrupo da população de Canas de Senhorim (GE’) comparativamente a um subgrupo de GN2 (GN2’), embora sem significância estatística. Para além disso, a comparação dos resultados do ensaio challenge nas duas populações são sugestivos de uma resposta adaptativa em GE’.
Projecto Minurar - Conclusões finais e recomendações
Conclusões finais
Radioactividade ambiente
Dos resultados do estudo sobre a radioactividade ambiente pode deduzir-se que as áreas ocupadas pelas escombreiras do tratamento químico do minério e de outras actividades mineiras na freguesia de Canas de Senhorim, contêm materiais francamente radioactivos. Estas escombreiras constituem uma fonte de radiação que pode originar doses de radiação externa significativas para quem frequente os locais, constituindo também uma fonte de radão e de poeiras radioactivas que se dispersam na atmosfera. No restante território da freguesia de Canas de Senhorim o risco radiológico é bem menor e é, em muitos parâmetros, comparável ao fundo radioactivo natural determinado em GN2. As freguesias do grupo GN1, sobretudo Moreira de Rei e Rio de Mel, apresentam também valores mais elevados de alguns parâmetros quando comparados com GN2, o que decorre da existência de escombros mineiros da extracção de urânio.
Distribuição dos metais e de outros contaminantes químicos
Como síntese final desta componente do estudo, pode afirmar-se que a auréola de dispersão dos elementos químicos a partir da Escombreira da Mina da Urgeiriça e demais instalações mineiras abandonadas não se manifesta para além dos limites da bacia de drenagem que envolve a linha de água principal local. Contudo, há indicadores claros de que a actividade mineira do urânio na região influenciou o ambiente a tal ponto que se torna visível através de um plano de observação global do território que não foi especificamente projectado para rastreio dos indícios dessa actividade mineira.
Efeitos na saúde da população
Os resultados dos dois estudos apresentados neste Relatório Cientifico II, podem agora ser integrados nos resultados já publicados no Relatório Cientifico I, em Junho de 2005. Saliente-se que as conclusões finais de “MINURAR” mantêm válidas as que foram descritas no referido Relatório Cientifico I. Assim, os resultados globais revelaram diferenças em várias funções e parâmetros biológicos, quer na comparação entre a população de Canas de Senhorim (GE) e as populações das 7 freguesias não expostas (GN), quer na comparação de GE com as populações do subgrupo GN2, sendo quase todas no sentido das hipóteses formuladas. Outros parâmetros tiveram diferenças menos relevantes nas comparações GE/GN e GE/GN2. Por outro lado, a maioria das diferenças encontradas em GE/GN1 foi também no sentido das hipóteses, embora em menor extensão. A exposição da população de Canas de Senhorim à mina da Urgeiriça e à sua Escombreira constitui uma explicação plausível para as diferenças encontradas. Com efeito, não se identificou qualquer outra exposição que pudesse ter causado as diferenças observadas em funções e parâmetros tão diversos.
Recomendações
No domínio da intervenção ambiental é recomendado: 1. proceder à requalificação ambiental; 2. garantir que não subsistem riscos inaceitáveis de exposição das populações a radiações ionizantes; 3. assegurar que as soluções de requalificação serão eficazes não só no presente, mas também por um período alargado de tempo; 4. pôr em prática um plano de monitorização radiológica ambiental na zona das antigas explorações de urânio. No domínio dos efeitos na saúde das populações é recomendado: 1. apreciar a viabilidade de realizar um estudo de cortes retrospectivo para estimar efeitos na mortalidade; e 2. Garantir que a vigilância epidemiológica da população geral exposta, que se afigura, de momento, desnecessária possa ser accionada se, no futuro a situação o exigir.
AUTORES:
José Marinho Falcão; Fernando P. Carvalho; Maria Guida Boavida, Mário Machado Leite; Madalena Alarcão; Eugénio Cordeiro; João Ribeiro
PUBLICADO EM:
INSA
ANO:
2007
EDITOR:
INSA
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