Uma dívida antiga, depois de muitas promessas e reuniões. Os trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio iniciaram uma vigília de 24 horas para reclamar contas antigas e lembrar a todos as responsabilidades do Estado num processo que se arrasta desde finais de 2004…
Quarenta antigos trabalhadores da extinta Empresa Nacional de Urânio realizaram ontem uma em vigília, em Viseu, exigindo ao Governo que acabe de lhes pagar a “dívida” por décadas de trabalho em que estiveram expostos à radioactividade. Os ex-trabalhadores saíram pouco depois das 9h00 do portão da sede da Empresa Nacional de Urânio, na Urgeiriça, Canas de Senhorim (Nelas) e, alternando percursos a pé e de autocarro, dirigiram-se para o Governo Civil de Viseu, onde chegaram à hora de almoço. O porta-voz da comissão de antigos trabalhadores, António Minhoto, admitiu que o Governo tem vindo a dar passos positivos – nomeadamente a requalificação ambiental em curso nas minas da Urgeiriça e o programa de intervenção em saúde que arrancou na passada quinta-feira –, mas lembrou que o pagamento da “dívida do Estado” não pode ficar por ai. Segundo António Minhoto, a “dívida” tem vindo a ser “paga aos bochechos”, lembrando que falta ainda alargar a todos trabalhadores o decreto-lei que dá benefícios na idade da reforma e indemnizar os familiares dos cem colegas que alegadamente morreram com doenças cancerígenas, por terem estado expostos à radioactividade.Os ex-trabalhadores tinham dado um prazo ao Governo até ao final de Outubro para responder às suas reivindicações mas, como tal não aconteceu, decidiram avançar para uma jornada de luta. Em frente ao Governo Civil, onde planearam estar em vigília até às 9h00 de hoje, mostraram aos transeuntes a sua indignação perante o que dizem ser o silêncio do Governo com bandeiras negras, faixas e cartazes.Numa faixa negra podia ler-se “Cumpram as vossas promessas. Fomos vítimas da exposição à radioactividade, o Estado português é culpado”. “Não basta o PS/Governo dar-nos razão! Tem que haver uma solução” e “Senhores deputados do PS obriguem o Governo a pagar a dívida do Estado aos ex-trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio “ são outras das inscrições das faixas, que também tinham exibido durante os percursos a pé entre Canas de Senhorim e Nelas e entre a entrada de Viseu e o Governo Civil.Neste último percurso, os antigos trabalhadores fizeram uma paragem na sede distrital do PS, tendo sido recebidos por dirigentes da concelhia que aí se encontravam reunidos. Ao presidente da concelhia socialista, João Paulo Rebelo, António Minhoto entregou uma carta “a apelar ao bom senso do PS” e lembrou que o deputado eleito pelo círculo de Viseu Miguel Ginestal admitiu publicamente em Abril de 2005 “que há uma dívida do Estado aos trabalhadores”. “Não se está a falar da empresa do Gaudêncio não sei das quantas, mas de uma empresa pública”, frisou o porta-voz, apelando a que não obriguem os trabalhadores a apresentar uma queixa em tribunal contra o Estado português “por incúria”, porque nunca foram informados dos riscos que corriam ao trabalhar na Empresa Nacional de Urânio. João Paulo Rebelo comprometeu-se a fazer chegar o documento ao presidente da distrital do PS e também deputado parlamentar José Junqueiro.Num processo que se arrasta há vários anos, e já depois de várias acções de protesto, os trabalhadores conseguiram que, em meados de Dezembro de 2004, pouco tempo antes do fecho definitivo da ENU, o Conselho de Ministros tivesse aprovado o decreto-lei que veio satisfazer os seus desejos. A partir daí, os que tinham deixado a empresa antes da sua entrada em dissolução exigiram também ser abrangidos por esse decreto-lei. “É uma questão de justiça. O Estado não pode ser pai para uns e padrasto para outros”, frisou António Minhoto, alegando que todos estiveram sujeitos à radioactividade e estimando que a medida beneficiaria cerca de três centenas de pessoas. António Minhoto considerou que, quer os benefícios na idade da reforma, que seriam atribuídos progressivamente (porque nem todos os trabalhadores têm a mesma idade), quer as indemnizações aos familiares das vítimas, não teriam um grande peso nos cofres do Estado. E lembrou que estão ainda por vender cerca de 150 toneladas de urânio que, “a dez contos (cinco euros) o quilo pagam à vontade, e ainda cresce dinheiro”, esta dívida aos trabalhadores.
ENUIndemnizações
A Empresa Nacional de Urânio (ENU), uma empresa de capital exclusivamente público, que desde 1977 teve a seu cargo a exploração de urânio nos distritos de Viseu, Coimbra e Guarda, entrou em processo de liquidação em 2001 – quando tinha ainda 44 trabalhadores – e encerrou definitivamente no final de 2004. Desde então que 40 trabalhadores – alguns entretanto tinham-se reformado – que desempenhavam funções no exterior das minas exigiam ser abrangidos por um decreto-lei que os equiparasse aos do interior das galerias, o que possibilitaria terem benefícios em termos de antecipação da idade da reforma, alegando também terem estado expostos à radioactividade do urânio.
O Primeiro de Janeiro
Sem comentários:
Enviar um comentário